AS FRUTAS PODRES DO POMAR
“Frequentemente, tenho visto pessoas que curtem, postam e repostam notas e notícias sobre juristas ou sobre políticos, na (boa) intenção de criticar e também de tentar diminuir, denegrir sua imagem, mas, ao curtir, postar e repostar, uma e outra vez, no fundo, estão justamente fazendo o contrário: ao invés de afastar e banir do mundo jurídico, do mundo político e do mundo das imagens, essas pessoas promovem e enaltecem ainda mais o(a) tal ser "indesejado(a)". É preciso estar muito atento, ter bom senso, senso crítico. É preciso ter muito cuidado. Com tudo e o tempo todo. Com o que se escreve, com o que se lê. Com o que se transcreve, com o que se repete sem sequer ler. Muitas vezes sentimos repulsa e repugnância por atitudes que vemos e de que temos notícia, mesmo assim, as reproduzimos, sem sequer ir à fonte para, inclusive, comprovar sua veracidade. A notícia pode estar sendo distorcida e manipulada ao bel prazer de um e de outro (há pessoas que vivem disso). E muitas vezes, o tiro simplesmente não atinge o alvo: volta e sai pela culatra. E o antídoto vira veneno ou o veneno vira antídoto. O mesmo se dá com outras “campanhas” ("campanha" anti-estupro??), aparentemente inocentes e inconsequentes, através das quais, de modo incansável, estamos a repetir, a repostar e a alargar o horizonte e a repercussão de fatos e imagens desagradáveis no subconsciente e no inconsciente coletivo. Damos importância a isso ou àquilo, sem prestar atenção, sem qualquer intenção de fazê-lo. Sem dó, sem critério, sem piedade. Nem responsabilidade. Vou dar um exemplo. Que sentido faz a foto de uma banana ou de pessoas (inclusive artistas e famosos) comendo banana? Combater o preconceito? Como assim? Qual? Quem irá lucrar com essas imagens? Só se for o quitandeiro da esquina. Repare bem: se alguém estivesse dormindo por alguns dias e acordasse de repente, entrasse no Face e visse aquele monte de fotos de gente mostrando ou comendo banana, não ia entender absolutamente nada. Pensaria que virou moda sair por aí a comer banana. E iria repetir o gesto, com certeza. Há muitas formas (muito mais eficazes e inteligentes!) de combater preconceitos e racismos. Daí porque concordo com Dagoberto José Fonseca (Professor da Faculdade de Ciência e Letras da Unesp, Araraquara, e Coordenador do Centro de Cultura, Línguas e da Diáspora Negra da Unesp) que atacou essa campanha, em entrevista à Fórum: “O Neymar pega a banana e induz, através de uma operação de marketing, milhares de pessoas ao erro, encobrindo inclusive a ação do Daniel Alves. A partir daí, cabe a qualquer um, em qualquer lugar, informar que todos nós somos macacos, ele retirou tudo do contexto”. Indagado se acredita que a palavra “macaco” pode deixar de ser ofensiva através de uma campanha dessa, o mesmo Professor Dagoberto José Fonseca responde: “Não, porque o “macaco” nunca deixará de ser ofensivo. Não podemos esquecer que você animaliza um sujeito. Na hora que você animaliza um sujeito, tira dele a condição de ser humano. Em hipótese alguma ele deixará de ser ofensivo. A construção do ideal do “macaco” tem a ver com a ideologia de domínio, que não vem de hoje, retira-se um sujeito social da sua condição de sua cidadania plena toda vez que o chama de “macaco” Não há como fazer brincadeira com isso, é um tema muito sério, posar com uma banana não vai resolver”. Aliás, o Professor considerou tudo isso uma verdadeira “imbecilidade” (a expressão é sua) e acrescenta: “apenas reforça o racismo. A campanha é repleta de desconhecimento histórico e cultural desse processo de luta contra o racismo, e a desconstrução do racismo só é possível com o conhecimento do processo, que o Neymar não tem”. Como também recentemente sentenciou o Professor e Jurista Luiz Flávio Gomes (Jus Brasil Newsletter): “Enquanto uma parcela das sociedades continuar aceitando a animalização ou desumanização dos semelhantes, não vamos nunca sair do grande meio-dia de Nietzsche, ou seja, não vamos nunca evoluir e aceitar que todas as populações saíram da África”. Então, oremos com Cidinha da Silva (Geledés - Instituto da Mulher Negra): “Olhai pelos tolos seguidores dos idiotas, senhor deus das bananas. Porque eles são ingênuos, não sabem o que fazem. Mas, aos imbecis, portadores de mau caráter, aproveitadores de todos os matizes, racistas quatrocentões e também os de primeira geração, aplicai a dureza da lei.” Com razão. Aconteceu recentemente com outra suposta “campanha” sobre violência contra a mulher ("campanha" anti-estupro?!). Banalizaram o problema gravíssimo e de grandíssima importância social e política, com repercussão planetária. Dói muito ver como assuntos que deveriam ser tratados de maneira séria e responsável simplesmente viram brincadeira e são desconstruídos num piscar de olhos. Ora. Quando, sem pensar e sem qualquer critério, curtimos e postamos notas, notícias, mensagens e imagens, estamos a aprovar, a concordar e a reforçar enfaticamente a ideia e a atitude as quais, muitas vezes, repugnamos e temos a intenção de combater. É! Se não estivermos atentos, se não tivermos cuidado com tudo, o tempo todo, com o que escrevemos, com o que lemos, com o que transcrevemos, com o que repetimos sem sequer ler, apenas porque artistas e famosos, políticos de plantão - muitas vezes oportunistas - ou quem quer que seja, assim o fizeram, como robôs, como autômatos, ficaremos a repetir tudo, a concordar com tudo, a consentir tudo, a aceitar tudo. E daí, então, a coisa fica tão banal, vira uma bobagem, vira uma brincadeira, vira um “sem-sentido”. Estaremos condenados, eternamente, e de forma absurda, irremediável e irresponsável, a assentir com essa tremenda lavagem cerebral coletiva. E - o que é ainda pior – a repetir imbecilidades (agora a expressão é minha) e a comer as frutas podres do pomar”.
LUCIA BARROS FREITAS.
29.04.2014.