COMUNIDADE "NOIVA DO CORDEIRO"

07/05/2013 22:57

 Vocês já ouviram falar na COMUNIDADE "NOIVA DO CORDEIRO", em Minas Gerais? Ontem, assisti a um documentário (pela TV) a respeito dessa localidade e consegui este vídeo do YouTube, para compartilhar com vocês. Fiquei muito bem impressionada com tudo, em especial com a forma pacífica, humana, tranquila e unida em que vive aquela Comunidade, habitada principalmente por mulheres. Elas trabalham na roça, para obtenção de colheita de produtos para o sustento próprio e vivem do artesanato local. Ali não há conflitos, competição, violência, disputa, inveja, egoísmo, raiva ou qualquer outro sentimento que possa interferir negativamente na convivência entre as pessoas. Ali nada é de ninguém e tudo é de todos. Ali tudo é compartilhado, dividido. E as mulheres que vivem ali explicam como isso acontece. Fiquei com a nítida impressão de que essas mulheres, que estão à frente do seu tempo e sobreviveram a muitas dificuldades, preconceitos e isolamento, sabiamente encontraram o caminho para (con)viver de uma forma pacífica, feliz e realizada. Uma espécie de "Nova Era". Em meio a tanta contradição, tanta violência, tantos conflitos, intolerâncias, segregações, preconceitos, discriminações e tantos sentimentos negativos que permeiam a convivência entre as pessoas na sociedade atual, esse - sem dúvida - guardadas as devidas proporções, é um belo exemplo a ser imitado, a ser seguido. No mínimo, é um convite, um novo olhar, uma perspectiva para repensarmos o modelo desenfreado, consumista e frenético em que vivemos.

 

Quando assisti ao vídeo, me lembrei do filme A VILA (The Village), que é uma parábola, uma metáfora da Vida, transita entre o imaginário, o ilusório e o que é de fato real, palpável e concreto. O filme questiona valores como Esperança, Bondade, Amor,Coragem, o Limite e a Transgressão. Transgressão daquilo que, supostamente, é a barreira e tudo o que impõe o medo, o conformismo, a cegueira e a desesperança nas pessoas. Transpor a barreira do medo é, talvez, o maior desafio para qualquer ser humano. Mas é altamente enriquecedor e, sobretudo, transformador. Nesse paralelo, a história da Comunidade "Noivas do Cordeiro", belamente retratada no documentário (vídeo), com texto impecável, tem a capacidade de nos transportar para aquele mundo, um mundo onde reina a simplicidade, a inocência, a bondade, a união, a alegria, que vive no interior e no coração daquelas pessoas. E, ao contrário da metáfora do filme The Village, neste, tudo é real e ocorre aqui pertinho, em Minas Gerais.

 

Vale a pena assistir ao vídeo de 43 minutos: https://www.youtube.com/watch?v=QvA6Z3rj7E0

 

Lúcia Barros Freitas. 

 

SER FELIZ É SER LIVRE - COMUNIDADE NOIVAS DO CORDEIRO

"A história da Comunidade Noiva do Cordeiro remete aos anos de 1890, quando Maria Senhorinha de Lima toma uma decisão que, para a época, era vista como inaceitável. Moradora de Roças Novas, povoado do município de Belo Vale, ela casou-se com o francês Arthur Pierre e, após três meses de vida conjugal, resolveu abandonar o marido e viver com Francisco Augusto Fernandes de Araújo, conhecido como Chico Fernandes. Da união nasceram os filhos: Francisco, Maria Matozinhos, Vicente, Geralda, Genoveva, Beniga, Antônia e Ramiro.

A união de Maria Senhorinha e Chico Fernandes repercutiu negativamente para os moradores da região de Belo Vale, principalmente junto à Igreja Católica local, que os excomungaram, a eles, e aos membros da família até a quarta geração. De acordo com Maria Olímpia Alves de Melo, “a Igreja a excomungou e ela tornou-se pária. Prostituta.”

Um dos filhos do casal, Francisco Fernandes Filho, casou-se com Geralcina Maria de Jesus e tiveram doze filhos: Isaias, Delina, Elias, Jeremias, Azarias, Urias, Ari, Edes, Juraci, Jurandir e Valdete. Dentre esses, um dos membros mais expressivos na comunidade é Delina, hodiernamente a matriarca da Noiva do Cordeiro.


O preconceito que acompanhou Maria Senhorinha e seus filhos, também atingiu a geração seguinte e, conforme é descrito por Maria Olímpia, “como se atingido por um raio, o preconceito se alastrou e envolveu toda a sua descendência. Filha de prostituta é. E a coisa ficou feia por várias gerações, obrigando-os a viver de forma isolada, sem contato com outros povoados e cidades da região. Nem se tivessem doenças contagiosas, seriam tão segregados."

Para a historia da Comunidade Noiva do Cordeiro, essa é uma das fases cruciais. Segundo relatos de moradores, nos anos de 1940, um pastor evangélico, Anísio Pereira, começou um trabalho de evangelização na região e, em suas idas a essa comunidade isolada, expressou o interesse de casar-se com uma das moradoras, Delina Fernandes Pereira. Na época do casamento, Delina estava com 16 anos e Anísio com 43 anos. Da união nasceram doze filhos: Areli, Rosalee, Vasseni, Arodi, Vanderli, Noeli, Vasseli, Gideoni, Leoni, Elieny, Elaine e Keila.

Anísio Pereira fundou uma igreja dentro da comunidade, chamando-a Igreja Evangélica Noiva do Cordeiro, e esse passou a ser o nome da comunidade que ali vivia.
O isolamento vivido pelas gerações passadas manteve-se e tornou-se ainda mais agudo, seja pelo preconceito das comunidades vizinhas, seja pelas rígidas regras impostas pelo pastor Anísio: isolamento, preconceito, jejum e pobreza tornaram-se marca da Comunidade Noiva do Cordeiro.

As mudanças só viriam a ocorrer nos anos de 1990. Entre os membros da Igreja, alguns começaram a questionar sobre as regras impostas pela doutrina. Em depoimento ao documentário do cineasta Alfredo Alves, Maria Doraci de Almeida e Delina Fernandes Pereira se lembram do casamento de uma das filhas de Delina: “o seu desejo era que houvesse música na Igreja (...) muitos jovens nunca tinham dançado ou ouvido música, e dançou também, e gostou.”

Esse acontecimento, aliado aos vários questionamentos sobre as regras impostas, levaram alguns participantes a se distanciarem da Igreja. Algum tempo depois, a Comunidade decidiu por extinguir a Igreja daquele local de maneira definitiva: lá não existia mais uma religião institucionalizada, seja ela evangélica, católica, ou de outro credo. O pastor Anízio Pereira faleceu em 1995.

Alegam os membros da comunidade que o preconceito enfrentado era vivenciado pelas crianças nas escolas, no acesso à saúde e aos postos de trabalho, além do preconceito expresso nos olhares dos moradores da região: as mulheres de Noiva do Cordeiro ainda carregavam o estigma de prostitutas.
Mas o que, realmente, é Noiva do Cordeiro? Trata-se de uma localidade de Minas Gerais, na área rural de Belo Vale a cem quilômetros de Belo Horizonte, onde vivem aproximadamente 250 mulheres e suas famílias.

Os homens, quando chegam a idade adulta, saem para trabalhar; ficam fora de segunda a sexta-feira e retornam nos fins de semana. A comunidade é mantida pelas mulheres, sendo que o isolamento fez com que elas criassem um mundo de regras próprias.
No local de 16 hectares, além de um casarão centenário, há outras residências. Em um delas, com quase vinte cômodos, vive a matriarca da Comunidade Noiva do Cordeiro, Delina Fernandes Pereira, e outras quase cinquenta pessoas.


Os trabalhos das mulheres são divididos: há as que cozinham, costuram e as que lavram a terra. Em Noiva do Cordeiro, ao invés de cada família plantar separadamente, os moradores optaram por plantar em uma só área, onde todos ajudam a preparar a terra, capinar, cultivar e colher. Tudo o que é produzido, é para consumo próprio, nada é comercializado. O plantio é, principalmente, de milho, arroz, feijão e abóboras. No final da colheita, o que foi produzido é armazenado, garantindo alimentos até a próxima safra. Além da produção dos alimentos, a comunidade cria porcos, galinhas, peixe e gado, também destinados para o sustento próprio.

O preconceito, o isolamento social e a discriminação precisavam ser combatidos. O alimento não era a única necessidade de Noiva do Coerdeiro: outros bens materiais e não-materiais fazem parte de uma vida com qualidade.
Visando conseguir melhorias para a comunidade, foi criada uma associação, a ACNC – Associação Comunitária Noiva do Cordeiro, que lutaria por recursos financeiros e contra a discriminação sofrida desde o inicio do século.

Em 25 de abril de 1999 foi realizada a reunião de fundação e posse da primeira diretoria da ACNC, que teve como convidado o ex-presidente da FETAMG de Montes Claros, Sr. Gil Leite. A diretoria alega ter encontrado obstáculos na seara institucional. Apesar das dificuldades encontradas, a ACNC foi registrada e, hoje, em parceria com ONG’s, órgãos governamentais e grupo de voluntários, realiza atividades sociais em várias comunidades de Belo Vale.
Uma das iniciativas da ACNC que mais repercutiu na vida da Comunidade Noiva do Cordeiro foi a implantação do CIDEC – Centro de Informática e Desenvolvimento da Educação Comunitária.

Em 2006, a parceria entre a ACNC (Associação Comunitária Noiva do Cordeiro), o CDI (Comitê para a Democratização da Informática) e a Fundação Vale, trouxe para a Noiva do Cordeiro o projeto de informatização nas comunidades rurais: lá que foi instalada a primeira escola de informática da zuna rural do Estado de Minas Gerais.


A repercussão desse acontecimento foi divulgada na mídia, e várias reportagens foram publicadas sobre a comunidade, como a matéria “Herança de Família”, no Jornal Estado de Minas. O contato com a mídia possibilitou à comunidade divulgar a sua história de discriminação, isolamento e lutas pela sobrevivência.


Atualmente a Noiva do Cordeiro mantém contato com outras comunidades: o interesse pela informática fez com que a ACNC ampliasse o programa CIDEC para o CIDEC Itinerante, levando o acesso aos computadores para as comunidades vizinhas de Palmital e Lages.

Outra conquista da comunidade foi a possibilidade de venderem os produtos produzidos pelas artesãs de Noiva do Cordeiro: tapetes, colchas, bolsas e artigos de fuxico, além de roupas intimas, que também são comercializadas para todo Brasil através do site BH Moda (www.bhmoda.com.br). Além da fábrica de lingeries e costuras, há uma pequena fábrica de produtos de limpeza, além da cultura de subsistência.

“As lavouras comunitárias são de subsistência, nada é para venda”. Plantamos milho, arroz, feijão e aboboras, no final da colheita o que foi produzido é armazenado garantindo que haverá alimentos ate a próxima safra. Nas lavouras praticamente todo o trabalho é manual, contamos apenas com um velho trator para arar a terra, já o plantio, a capina, a colheita e o armazenamento são feitos manualmente. Nós ainda seguimos o ritmo dos nossos antepassados, plantando na época das águas que começa por volta do mês de novembro.

As mulheres são maioria nos mutirões porque durante a semana quase todos os homens trabalham fora da comunidade devido em Noiva do Cordeiro não haver um meio de renda para a compra do que não é produzido. As mulheres que vão para a roça também se preocupam com a beleza e por isso usam protetor solar, luvas, botas, blusas de manga comprida, calça comprida e chapéu. “Temos a expectativa de conseguirmos implementos agrícolas para facilitar o nosso trabalho e também conseguir uma área maior para possibilitar o aumento da produção.” (Documentos da Comunidade). 

Em toda zona rural do Estado de Minas Gerais, a população tem grande dificuldade de sobrevivência, o que sempre leva os cidadãos à pratica do êxodo rural, superlotando as periferias das metrópoles. Pensando nisso, em novembro de 1999, as trabalhadoras rurais de Noiva do Cordeiro, Rosalee e Sônia, convidam as donas de casa para reunirem suas máquinas de costura domésticas, começando a confeccionar lingeries. Lucileia se responsabilizou pela parte das Vendas. Então combinaram entre si pagar os gastos, reservar uma parte para compra de máquinas e dividir a sobra entre todas as envolvidas. Em 2000 o Presidente da ACNC Iran Leite, Rosalee e Lucileia lutaram e conseguiram, através do Pro-renda Rural MG realizar um curso de corte e costura para 19 (dezenove) mulheres.

Foi um grande avanço para a comunidade, pois as mulheres sentiram-se motivadas e resolveram diversificar a produção e começaram também a fazer tapetes, roupas, colchas de retalho, etc. Durante esses anos o Presidente Iran Leite continuou buscando doação de retalhos nas empresas da capital de Minas o que ajudou na continuidade do projeto, pois além de ampliar a produção reduz os custos das peças.

Realizavam-se desfiles quando criavam um novo modelo e as próprias costureiras e donas de casa desfilavam, visando divulgar o produto no município. Após varias tentativas sem efeito, os desfiles foram cancelados, mas as mulheres continuaram investindo em sua criatividade. Combinaram ente si que Lucileia precisava de ajuda no serviço de vendas. Claudia, Flavia, Vilma e Lucilene, começaram a ir para Belo Horizonte trabalhar como vendedoras.

O esforço de todos valeu à pena, pois hoje a confecção possui nove máquinas, quatro industriais, três semi e duas domesticas. O lucro é dividido entre todos, gerando renda direta para dez famílias, sendo que 30% dos lucros são investidos nos trabalhos sociais desenvolvidos por coordenação da ACNC dentro e fora do município de Belo Vale.

Politicamente, a comunidade foi fortalecida nas eleições de 2004, quando Rosalee Fernandes Pereira, foi eleita vereadora com 279 votos, passando a ocupar uma vaga na Câmara Municipal de Belo Vale. Desde então, a comunidade ganhou representação politica. Rosalee também foi Secretária Municipal de Cultura e Turismo de Belo Vale. Atualmente, o cargo é ocupado por Nelma Fernandes, também da comunidade.

A história da Noiva do Cordeiro ganhou repercussão com a apresentação do documentário “NoivaS do Cordeiro”, produzido pela BemVinda Filmes, de Regina Santiago, com roteiro e direção de Alfredo Alves, narração de Lya Luft e exibido em junho de 2008 pelo canal GNT. A incrível história da comunidade rural da cidade de Belo Vale foi atração do documentário, no qual o cineasta Alfredo Alves recuperou parte da trajetória de superação das cerca de 200 mulheres do lugar, por meio de depoimentos, registros históricos e imagens da paisagem das montanhas.
O olhar sensível e o clima de emoção são fios condutores da narrativa, repleta de reviravoltas e revelações, numa história que se tornou pública após a série de reportagens do Jornal Estado de Minas.

Quando Alfredo Alves tomou conhecimento da situação pensou em um belo documentário. Pela delicadeza da história, preferiu enviar ao lugar a amiga Regina Santiago, da produtora BemVinda Filmes, responsável pelo projeto. “Quando cheguei, num domingo, estavam todos diante da TV. Fui apresentada à porta-voz, Rosalee. Falei sobre como o documentário poderia contribuir para a queda do estigma. Até então, ela só olhava para o tapete artesanal que confeccionava. Foram os 10 segundos mais tensos da minha vida. Depois do silêncio, levantou-se e disse que me mostraria à comunidade.”

A história dessa comunidade com características tão próprias repercutiu nos meios de comunicação, principalmente internet, sob vários pontos de vista: há os que admiram, os que a vêm com críticas severas e os que negam a história relatada por elas. Sem dúvida, a comunidade Noiva do Cordeiro é um espaço em que o real e o imaginário popular travam um embate, mas ela ainda resiste às duvidas que a sociedade proponha, e esta aberta a visitas aos que desejam conhecer esse local, no mínimo, intrigante.

https://serfelizeserlivre.blogspot.com.br/2012/01/noivas-do-cordeiro.htm


https://www.youtube.com/watch?v=QvA6Z3rj7E0